segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A História das Mulheres Nascentes

Dormi sob céu estrelado e som de batuque. Amanheci cá dentro da tenda. Noite inteira, as formigas, que costumam abocanhar quem delas se aproxima, trouxeram-me adormecida e tão delicadas que se quer senti presença. Aqui dentro, a velha senhora me conta que as vozes de nossas ancestrais ecoam por baixo da terra e que assim sabem as formigas momento de trazer as mulheres para a tenda vermelha. Há muitas de nós nesta oca agora. Sonho saber quem são as mulheres que, resguardadas comigo, sangram e limpam os ventres do mundo no tempo que se inventa presente. Antes mesmo de minha chegada, as comportas estavam abertas. Tenho meu choro solto. E verto dois rios: um vermelho embotado feito cor das rosas cheirosas; outro límpido, translúcido como a força de minha guiança. Aqui terei tempo de pensar no que meu corpo anda me contando enquanto danço. Em próximos dias, farei oferendas diárias às plantas. E, no intervalo entre elas, entoarei cânticos de amor ao meu ventre. Levo em mim a morada primeira de meu povo. Sou guardiã da oca ancestral. Mas não sou só. Sou com elas. Estou entre iguais. Qualquer das gentes que eu aviste nesta egrégora sabe da poderosa loucura que é sangrar entre as pernas. São estas as loucas do riacho: as mulheres nascentes. Somos confraria mesmo quando não lembramos ser. Com elas estou. Daqui, sigo a sangrar.

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