segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Pouco antes dos dias de sangue.



Acordei com a existência esgarçada. O corpo campo de batalha, ainda ao longo da madrugada, danou-se a avisar que minha lua se prepara para sangrar. Assim como deve ser, estranho meu tempo de arribação. Desconheço o caminho conhecido. Vivo a deriva. E então floresço raiva necessária para guerrear a guerra sangrenta e bonita de renovação de minha própria vida. O dia da lua será o dia da luta. Tem sido assim porque ela quer o meu querer. Enquanto a excreção não escorre vermelha, o trabalho incansável de meu ventre me trás à alma a sensação de não mais caber neste corpo-casa. Pareço estar sem morada. Desabrigada, toda intempere me fere. Mulher-encruzilhada, meu casebre não é feito casca. Bicho-gente, minha oca é o oco do meu corpo. Sou o abrigo da cabana que me abriga: espécie de canto dos mundos onde me acolho e me expurgo. Enlutada, cantar tem sido dos caminhos de labuta da loucura que é morrer a cada cheia. Também dançar tem se feito urgência criativa: mover o quadril é mesmo mover a vida. Indócil manejo o berro das palavras escritas e lambuzo-me de minha selvageria. Então me assusto e me encanto com minha potência sombria: sou agora este anoitecer. Enluarada, sinto que sabedoria ancestral é aboiar destruição na direção da morte de si mesma para não devastar tudo que há. Deixar de matar é negar nossa natureza.