terça-feira, 4 de abril de 2017

A Ciranda das Mulheres Sábias


Havia mulheres por todas as partes, advindas de toda espécie de nascentes. Chegaram convocadas pelo desejo confluente de nossas águas mais profundas. Ainda que não soubessem ser isso que estavam por fazer de si mesmas, chegaram.

Sendo filha da velha senhora, tenho como caminho e missão, desatinar movimento nas águas paradas. Revirar a lama. É que carrego força de lida com todo tipo de poça.

Entregue ao serviço de cuidar-nos: no silêncio, maior parte do tempo; por vezes, na fala que se teimava calma. Noite de estio, a prosa de leito largo tardou para romper em foz. Náuseas no fluir das águas. Mas também um colo quente e sereno. Vida a fluir, truncar, voltar a fluir e voltar a truncar.

No tempo dos corpos, cada uma daquelas que se aproximou do pequeno lago ao centro da ciranda das mulheres sábias depositou em sua margem plantas e tinturas de poder. O barro da velha tornado moringa sagrada ecoou seu canto de fundo de rio ou de mar. Cada uma das mulheres mergulhou até onde seu fôlego pôde lhe carregar. A fundura que, para uma de nós, era água rasa, para outra, era precipício e escuridão. Juntas. E sós.

Uma, que é árvore de raízes profundas, no encontro com o abismo de suas águas mais turvas, receou não reconhecer em noite de lua nova o caminho de volta. Voltou quando desistiu de enxergar e confiou nos pés sabedores da estrada.

Iluminar a intuição é sempre desempoçar as águas sagradas da memória. Tocar esse não lugar assusta e apaixona porque no corpo que narra tempo não há e nem cessa.


Fotografia - Mariana David


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