Dormi
sob céu estrelado e som de batuque. Amanheci cá dentro da tenda. Noite inteira,
as formigas, que costumam abocanhar quem delas se aproxima, trouxeram-me adormecida
e tão delicadas que se quer senti presença. Aqui dentro, a velha senhora me
conta que as vozes de nossas ancestrais ecoam por baixo da terra e que assim sabem
as formigas momento de trazer as mulheres para a tenda vermelha. Há muitas de
nós nesta oca agora. Sonho saber quem são as mulheres que, resguardadas comigo,
sangram e limpam os ventres do mundo no tempo que se inventa presente. Antes
mesmo de minha chegada, as comportas estavam abertas. Tenho meu choro solto. E
verto dois rios: um vermelho embotado feito cor das rosas cheirosas; outro
límpido, translúcido como a força de minha guiança. Aqui terei tempo de pensar
no que meu corpo anda me contando enquanto danço. Em próximos dias, farei
oferendas diárias às plantas. E, no intervalo entre elas, entoarei cânticos de
amor ao meu ventre. Levo em mim a morada primeira de meu povo. Sou guardiã da
oca ancestral. Mas não sou só. Sou com elas. Estou entre iguais. Qualquer das
gentes que eu aviste nesta egrégora sabe da poderosa loucura que é sangrar entre
as pernas. São estas as loucas do riacho: as mulheres nascentes. Somos confraria
mesmo quando não lembramos ser. Com elas estou. Daqui, sigo a sangrar.
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