Havia mulheres por todas as
partes, advindas de toda espécie de nascentes. Chegaram convocadas pelo desejo confluente
de nossas águas mais profundas. Ainda que não soubessem ser isso que estavam por
fazer de si mesmas, chegaram.
Sendo filha da velha senhora,
tenho como caminho e missão, desatinar movimento nas águas paradas. Revirar a
lama. É que carrego força de lida com todo tipo de poça.
Entregue ao serviço de cuidar-nos:
no silêncio, maior parte do tempo; por vezes, na fala que se teimava calma. Noite
de estio, a prosa de leito largo tardou para romper em foz. Náuseas no fluir
das águas. Mas também um colo quente e sereno. Vida a fluir, truncar, voltar a
fluir e voltar a truncar.
No tempo dos corpos, cada uma
daquelas que se aproximou do pequeno lago ao centro da ciranda das mulheres
sábias depositou em sua margem plantas e tinturas de poder. O barro da velha
tornado moringa sagrada ecoou seu canto de fundo de rio ou de mar. Cada uma das
mulheres mergulhou até onde seu fôlego pôde lhe carregar. A fundura que, para
uma de nós, era água rasa, para outra, era precipício e escuridão. Juntas. E
sós.
Uma, que é árvore de raízes
profundas, no encontro com o abismo de suas águas mais turvas, receou não
reconhecer em noite de lua nova o caminho de volta. Voltou quando desistiu de
enxergar e confiou nos pés sabedores da estrada.
Iluminar a intuição é sempre
desempoçar as águas sagradas da memória. Tocar esse não lugar assusta e
apaixona porque no corpo que narra tempo não há e nem cessa.
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Fotografia - Mariana David |